JORNAL DO LEU LEUTRAIX
BEM VINDO AO BALAIO DO LEU LEUTRAIX
VÃO E NÃO VOLTEM
por Paulo C. Barreto
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Para o brasileiro, até a mais feliz e breve das viagens internacionais tem uma infelicidade garantida: o retorno. Basta entrar na fila do check-in de volta ao Impávido Colosso para começar a bagunça. Não sei, ninguém sabe, se as "forças ocultas" dos controladores de vôo brasileiros tiveram algo a ver com os planos (ou falta deles), mas a empresa aérea nos impôs em cima da hora um esquema de conexão que não fazia o menor sentido. A ida já tinha sido suficientemente divertida: tivemos que encontrar nosso caminho no aeroporto de Guarulhos, uma seqüência interminável de corredores e escadas na qual a sinalização só não é mais confusa que os orientadores humanos, a tempo de pegar o vôo seguinte. Na volta, teríamos que atravessar o labirinto outra vez, mas carregando toda a bagagem nas costas.
Depois de manobras de pouso dignas de uma montanha-russa, chegamos sãos e salvos ao Galeão, um terminal aos pedaços (construído nos anos 70, maquiado na Eco-92, jogado às traças desde então), sombrio e de circulação que desafia a lógica. Atravessamos em pânico o portão de saída. Sair do Galeão a qualquer hora já é suficientemente perigoso. Pior ainda numa noite de domingo. Mil olhos de desocupados, assaltantes e agentes de táxis clandestinos (indistinguíveis entre si, pois usavam o mesmo "uniforme" que serviria melhor na praia do que no aeroporto) analisavam nossas caras de otários. Mas um táxi fazendo o trajeto inevitável seria um alvo fácil demais para os bandidos -- se o taxista não nos roubasse primeiro. Pegamos um ônibus (não muito diferente daquele do assalto aos turistas britânicos, porém mais discreto) que cumpriu diligentemente um itinerário interminável. Boa oportunidade de observar os arredores. As ruas estavam praticamente desertas; ninguém tinha coragem sequer de ir à janela nos intervalos do Fantástico. Por todos os lados, grades e grades, cercas e cercas. A prefeitura, que cuida do que é seu, também engaiolou todas as praças, tornando-as mais seguras para os mendigos que transformaram um coreto do século 19 em dormitório. Furando todos os sinais vermelhos por questão de sobrevivência, o coletivo passou por um cais do porto em ruínas à sombra de um viaduto pavoroso. O único sinal de vida era o de um festival de "cultura" em que afro-brasileiros imitam bandidos afro-americanos em busca de "dignidade". Na porta do armazém, uma placa de apoio do Governo Federal. Mil voltas pelo Centro, inúteis, pois o Centro não existe à noite. Passamos pela pequena rodoviária da Praça Mauá, que também não vê reformas sérias desde o tempo em que muitos eleitores não existiam nem no útero. Sob as fortes luzes do salão principal, quatro ou cinco meninos de rua formavam uma rodinha e surravam a pontapés outro menino de rua. Ninguém reagia, ninguém sequer ousava passar perto. Desembarcamos. Dois mendigos dormiam atravessados na calçada estreita, como se estivessem em casa. Que mudássemos nós de calçada, portanto. Fingindo não ver nada.
Pois é nessa cegueira simulada que zelosos campeões do patriotismo têm denunciado incansavelmente um certo filme de terror como uma conspiração da doutrina Bush para botar água no chope desta acolhedora potência turística dos trópicos. Insinua o filme, visitantes brancos, ricos e estrangeiros são "esculachados" no Brasil por serem brancos, ricos e estrangeiros. Os gringos nem têm esse privilégio sinistro, pois brasileiros tratam brasileiros como lixo o tempo todo. Um filminho passa o recado a eles: não ousem ir. A realidade, sem maquiagens de computação gráfica, diz a nós: vão e não voltem.
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Em tempo: não precisamos carregar malas pelos corredores de Guarulhos. Nem mesmo descemos do avião. Só ficamos uns 50 minutos trancados, observando a paisagem noturna da pista de Cumbica, enquanto alguém decidia o que fazer conosco.
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